4 de mar. de 2010

Começa briga pelo fardão de José Mindlin na Academia Brasileira de Letras

     Oficialmente, só no fim da tarde desta quinta-feira o presidente da Academia Brasileira de Letras (ABL), Marcus Vilaça, vai declarar vaga a cadeira 29, até o último domingo ocupada pelo bibliófilo e empresário José Mindlin. A partir daí se abrirão as portas para os eventuais candidatos começarem a correr atrás dos votos que lhes garantam um posto na imortalidade da casa. Apenas oficialmente também, porque nos últimos dias o clima de campanha rondou os corredores da ABL e atingiu os telefones dos imortais-eleitores. Pelo menos um candidato não esperou sequer 24 horas para começar a trabalhar na substituição de Mindlin. O iG ouviu acadêmicos e observadores externos acostumados à política da Academia. Sob condição do anonimato, eles contaram os bastidores do processo em busca de uma vaga na imortalidade.

     Os dias de luto pela morte do bibliófilo se encerrarão com a chamada “sessão da saudade”, que ocorre tradicionalmente no Salão Nobre do imponente Petit Trianon, no centro do Rio, na primeira-quinta-feira após a morte de um membro da ABL. A sessão serve para homenagear o falecido e declarar aberta a vaga que este ocupava.

    "Os últimos dias foram de articulações prévias e projeções, mas depois da sessão devem surgir muitos candidatos”, prevê um observador. Ele conta: “A morte de Mindlin foi anunciada às 15h de sábado e, às 9h da manhã de domingo, um candidato já ligava, em tom impertinente, para acadêmicos, dizendo contabilizar 11 votos”.

     Com articulações, sugestões e gestos típicos de uma verdadeira disputa eleitoral, a sucessão da vaga de Mindlin exibe uma eclética lista de pré-candidatos. Desde domingo, fala-se em nomes como o escritor Ziraldo, o cantor e compositor Martinho da Vila, o ministro do Supremo Tribunal Federal Eros Grau, o diplomata, ensaísta e tradutor Geraldo Holanda Cavalcanti e o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Candidatos – e perdedores – em outras disputas como Antônio Torres e Fernando Morais também são lembrados.

     Também apareceram referências a acadêmicos em potencial, como o escritor e apresentador Jô Soares. O humorista chegou a ser cogitado algumas vezes. Em 2001, desistiu diante da unanimidade em que se transformou o nome de Zélia Gattai para ocupar a cadeira deixada pelo marido Jorge Amado. Em 2005, seu livro "Assassinatos na Academia Brasileira de Letras", onde pôs um serial killer no encalço de seletos membros da ABL, foi interpretado como uma pré-candidatura, fato que negou.

Pré-campanha delicada

     Pelo menos até aqui, candidatos e acadêmicos evitam falar em público sobre o assunto. Por enquanto, porém, a pré-campanha incluiu telefonemas para acadêmicos ou o que, na cosmologia da casa, é chamado de “telegrama de intenções”. Esse gesto é visto com certa normalidade: trata-se da expressão de lamento pela morte do acadêmico (no caso, José Mindlin) e da manifestação do desejo de que o destinatário (e eleitor) possa examinar a candidatura futura.

    Entre telefonemas e telegramas, Marco Lucchesi, Muniz Sodré e Geraldo Holanda Cavalcanti se mexeram aqui e ali. Ziraldo, Eros Grau e Martinho da Vila têm se aproximado há algum tempo. Salvo pelo menos uma exceção, segundo apurou o iG, a estratégia se deu nem de maneira muito intensa para não parecer deselegante com a memória de Mindlin, nem discreta demais que sugerisse pouca disposição na candidatura. “Nenhum pleito pode ocorrer antes da sessão da saudade, sob pena de soar uma indelicadeza”, recomenda um acadêmico, que prefere não se identificar.

     Trata-se de um ritual delicado, pois envolve uma linha tênue que separa a vontade legítima do gesto ostensivo. “Este é o momento do pudor de cortesia”, resume outro acadêmico. Este, como outros integrantes da ABL e observadores externos com trânsito entre acadêmicos, lembram que qualquer contabilização de nomes e votos, neste momento, tem um quê de ilusório. Pode significar apenas o embarque na sedução de porta-estandartes de candidaturas – a disputa mesmo começará nesta quinta-feira, com prazo para durar cerca de dois meses. É o tempo de campanha para a sucessão de um imortal.

Extravagâncias

     Com a campanha deflagrada a partir desta semana, gestos mais “extravagantes” – expressão de uma fonte – começarão a se tornar mais comuns na relação entre candidatos e eleitores na academia. Para sonhar em ser um imortal da ABL, basta ter escrito um livro e ser brasileiro nato – a regra fechou as portas da academia para a escritora (ucraniana) Clarice Lispector, por exemplo.

     Mas sair vitorioso de uma disputa assim pode significar bem mais do que simpatia, convencimento, prestígio intelectual e livros publicados. Um acadêmico conta que um empresário, com ramificação na publicidade, chegou a oferecer viagens a Paris para “convencer” possíveis eleitores – com direito a passagens e hospedagem em hotel cinco estrelas.

     Frequentar os eventos organizados na casa é outra estratégia comum para ganhar a simpatia dos imortais. Na sexta-feira, por exemplo, Ziraldo almoçou na ABL com o presidente Marcos Vilaça e outros acadêmicos, como Tarcísio Padilha e Domício Proença. O ministro do Supremo Eros Grau passou a não recusar nenhum convite a conferências e almoços da academia. Martinho da Vila, o compositor da Vila Isabel, se aproximou dos acadêmicos por causa do “Ano Noel Rosa”. E por aí vai.

     “É um rito de passagem natural. O candidato precisa se aproximar, ouvir e ser ouvido”, diz um acadêmico. “É preciso ter convívio na casa”, reforça outro. Organização de jantares, presentes e convites para noitadas na própria casa completam o arsenal de sedução de um candidato em potencial. “Um dos atuais candidatos frequenta até chá de bebê do porteiro da Academia”, ironiza um observador. Tudo isso é importante, mas pouco vale se o candidato não tiver cabos eleitorais com musculatura para carregar mais votos.

“Milho bom”

     Pelo menos um caso mais ruidoso sobre os motivos mais heterodoxos de escolha de um candidato à ABL se tornou público no Brasil. Em O Mago, biografia de Paulo Coelho escrita pelo jornalista Fernando Morais, informa-se que alguns dos correligionários do escritor teriam começado a pedir votos, alegando que “o milho é bom”.
     O livro explica que, no jargão da ABL, “milho bom” é uma metáfora para candidatos que podem trazer benefícios materiais para a instituição: “O que amolecia até os mais empedernidos corações era o fato de o milionário Paulo Coelho não ter filhos, circunstância que alimentava esperanças de que, ao morrer, elegesse a Academia como um dos seus herdeiros”.

Do Portal IG

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