Ferreira Gullar, sempre campeão de público em todas as edições da Flip a que
compareceu, repetiu o feito: a Casa Folha ficou lotada na manhã de sexta (8),
quando o poeta, 81, tratou das conexões entre poesia e política.
Gullar fez graça logo no começo de seu depoimento ao dizer que não entendia
nada do tema, somente dava palpites. "Política é uma coisa muito difícil. Não
recomendo a vocês."
Como exemplo, lembrou que a presidente Dilma Roussef está numa "saia justa",
após a queda do ministro dos Transportes, porque não pode desagradar aos "40
deputados do partido que o apoiam".
Uma hora e meia depois, após contar vários episódios e ler poemas, o tom de
piada foi substituído por outro, mais sério e preocupado: "O Brasil foi
apropriado por uma casta, do Congresso ao Senado", disse. Se alguma coisa está
acontecendo, argumentou o poeta, é "graças à imprensa, que denuncia".
"Não sei como vamos sair disso. A minha esperança é o povo desorganizado, como ocorreu no Oriente", acrescentou Gullar.
"Não sei como vamos sair disso. A minha esperança é o povo desorganizado, como ocorreu no Oriente", acrescentou Gullar.
TRAJETÓRIA
O poeta relembrou sua trajetória na poesia e na política: das primeiras
experiências de vanguarda até a militância, que o fez passar por prisão,
interrogatório e exílio. No início, fez parte do concretismo e, depois, do
neoconcretismo. Uma de suas radicalizações artísticas na época foi, segundo ele,
o "Poema Enterrado", que fez com Helio Oiticica, na virada da década de 1950
para a de 1960.
Como muitos artistas e intelectuais de sua geração, Gullar entrou mais tarde
para o Partido Comunista, num tempo em que uma das principais causas era a
reforma agrária. Foi quando passou a fazer poemas que hoje considera
"extremamente políticos", até começar a se incomodar com o excessivo tom
panfletário.
Contou que, na época em que fazia parte do Centro Popular de Cultura (CPC) da
UNE, intrigou-se certo dia ao se dar conta de que, nas favelas, os adultos saíam
e só as crianças assistiam às peças; nos sindicatos, os diretores ficavam, mas
os funcionários não queriam assistir a elas.
"Eu disse para o Vianinha [Oduvaldo Vianna Filho]: 'Estamos pregando
comunismo para quem já é comunista? Fazemos mau teatro e má poesia para nada?'."
Pouco depois, ocorreu o golpe de 1964, o CPC fechou, e em seu lugar surgiu o
Teatro Oficina, "engajado, mas sem ser panfletário", na definição de Gullar.
"Sem abrir mão de nossas ideias, passamos a fazer algo com qualidade e ate
audácia artística."
Gullar narrou vários episódios engraçados, outros bastante tensos em sua vida
como exilado no Chile e, depois, na Argentina.
No final, falou sobre o célebre "Poema Sujo", espécie de testamento que
escreveu em 1976, em Buenos Aires, quando pensou que seria preso a qualquer
momento. O poema foi trazido ao Brasil por Vinicius de Morais numa fita gravada
por Gullar. Só depois o editor Ênio Silveira, da Civilização Brasileira, o
publicou. A repercussão do "Poema Sujo" ajudou Gullar a retornar ao Brasil.
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