4 de abr. de 2010

"O chilique do crápula"

“Publique se for homem e jornalista”, começa o comentário enviado às 6:25 desta sexta-feira. Outro miliciano patrulhando a internet a serviço do stalinismo farofeiro, imaginei. Já ia ordenando que caísse fora quando bati os olhos no nome do remetente: Ricardo Murad, secretário da Saúde do Maranhão por ser cunhado da governadora Roseana Sarney. Ele mesmo, o campeão do descaso e da inépcia envolvido na matança de crianças desvalidas.

Em paragens civilizadas, qualquer suspeito com a folha corrida de Ricardo Murad estaria agora em desabalada carreira, ou sentado no meio-fio chorando lágrimas de esguicho, ou homiziado em lugar incerto e não sabido. Mas estamos no Brasil ─ pior ainda, o estafeta da famiglia Sarney está no Maranhão. É compreensível que esteja em liberdade, esbravejando em mau português.

A forma e o conteúdo avisam aos gritos que o texto foi redigido depois de um almoço de matar a sede de presidente. Não há nenhuma acusação substantiva, só berreiro de cortiço. Mas é claro que publico. Não para sublinhar reafirmações de masculinidade ─ Ricardo Murad sabe o suficiente para dispensar-se de qualquer dúvida a respeito do tema ─ e sim para oferecer ao Brasil que presta a contemplação do chilique de um crápula. Não perca:

Vermes como você, que escreve financiado pelo dinheiro sujo dos políticos a quem serve, deveria se envergonhar do que faz. Mas você é um desavergonhado. Faz isso por ofício. Você é um jornalista que aluga a pena. Escreve de mal ou de bem, para quem lhe paga, de mais ou de menos. Você é um covarde, venal, financiado e sem nenhuma credibilidade. O que lhe move é o dinheiro dos seus patrões. Se você tivesse um pouco de vergonha e senso jornalístico deveria ter me ouvido a respeito das sandices que publicou de forma criminosa a meu respeito. Pelos menos iria ter um trabalho a menos de tê-lo de fazer na Justiça. Não posso lhe pedir para ter ética e vergonha, isso vem do berço.

O doutor em infanticídio cobra vergonha de gente honrada. O noviço nascido e acanalhado no Convento das Mercês se fantasia de carmelita descalça. A cria de Madre Superiora reinventa a santa inquisição a favor dos cafajestes. O colecionador de capitulações lucrativas acusa o vencedor de covarde. O tenente da tropa de censores do Estadão exige respeito à ética. Sem formular qualquer denúncia objetiva, sem ir além do insulto barato, o prontuário ameaça recorrer à Justiça. É assim no Maranhão. Murad acha que é assim no país inteiro.

A certeza da impunidade o induz a acreditar que todas as ações judiciais movidas pela famiglia serão endossadas por algum daciovieira. Por ter escapado de licitações irregulares, crimes ambientais, delinquências variadas e, até agora, da morte das isabellas maranhenses, decidiu que não há juízes no Brasil. Por ouvir apenas as louvações dos áulicos, não ouviu o choro e os gemidos das vítimas indefesas. Por acreditar que está condenado à impunidade, não admite virar assunto da revista VEJA e entrar na alça de mira da coluna.

O irmão menos esperto de Jorge Murad sobressaltou-se ao ouvir a indignação do Brasil decente. Logo saberá que é só o começo. O fim do sono chegará com a sirene que anuncia a chegada do camburão.

Coluna do Augusto Nunes, de VEJA

Celso Arnaldo: Sarney aproveita a Páscoa para a aula de deboche

José Sarney é um escárnio de bigode tingido ─ bigode este que nem um carcinoma recorrente no lábio é capaz de sacrificar. Um lábio maligno, de onde até hoje não saiu nada decente. O “literato” Sarney também é escarnioso, de uma petulância criminosa. Justo na semana em que o Brasil que presta se enche de vergonha com a mortandade das crianças Sem-UTI no Maranhão, o patriarca dessa família serial richer tem o desplante de eleger a criança como tema de sua coluna de Sexta-Feira Santa na Folha.


Mas, é claro, nenhuma palavra, nem como defesa cínica, sobre o infanticídio maranhense. O cronista lírico José Sarney, aproveitando os bons eflúvios do dia, vai falar sobre o menino-Jesus que há em cada um de nós. Em nós, não ─ nele. Porque a criança santa que será o fio condutor de sua coluna de hoje é…José Ribamar Ferreira de Araújo Costa. Sim, o sarneyzinho ─ rebatizado pela corruptela colonialista de Sir Ney.


“Para mim, a palavra felicidade está associada à infância”, começa essa aula de deboche.


Difícil acreditar. Sarney é feliz hoje ─ bilionário, impune, a família comandando os ministérios mais pródigos e mais gastões da República.


Enquanto os bebês de seu estado agonizam em casa ou na porta de pronto-socorros imundos por falta de leitos, um jatinho o traz ao melhor hospital do país, o Sírio-Libanês, onde uma lesão labial recebe o desvelo de uma junta médica composta, entre outros, por uma dermatologista, dois cirurgiões plásticos e com a supervisão cardiológica de ninguém menos do que o Dr. Roberto Kalil Filho, médico do Lula.


Depois da introdução lambuzada, entra em campo o poeta Sarney:


“É quando descobrimos o mundo e a beleza explode na descoberta das cores, da luz, do céu, das nuvens que caminham, das árvores, das águas e das flores. Tudo são formas que nascem a nossos olhos e conhecemos, pela primeira vez, o sentimento de amor que pousa no carinho de nossas mães. Vem o canto dos pássaros, o voo das andorinhas, o descobrir os bichos e tudo é revelação”.


Os bichos que Mayara conheceu antes de morrer no Socorrinho foram as moscas e baratas que circulam por aquele “nosocômio” fatal. E Mayara não pôde descobrir esse mundo de beleza descrito por Sarney ─ o pouco que viu, em seus oito anos, foram miséria e descaso.


“Depois, a infância é o tempo da estreita amizade com Deus, o menino Jesus é nosso companheiro, colega e cúmplice em nossas travessuras.”


Aí José Sarney tem razão: Deus deve ter perdoado as travessuras infantis que ele cometeu ao lado de seu amigo Jesus. Mas as de hoje ─ sacrificando outras crianças ─ certamente não.


“Não chegaram as preocupações e dúvidas que nos darão o saibo da amargura de viver, que fica sempre com uma parte dos nossos anos, embora Aristóteles tenha afirmado que “o homem é o que de mais excelente existe no cosmo.”


Trecho riquíssimo da crônica de Sarney, mereceria um longo estudo. Por falta de espaço, registre-se apenas: essas preocupações e dúvidas que dão o saibo (seja lá o que isso for) da amargura de viver ainda não chegaram a Sarney, riquíssimo e com três aposentadorias acumuladas mensalmente. Ninguém ficou com uma parte desses anos dele. E Aristóteles, quando se referiu ao homem excelente, não deve ter sequer cogitado de Sarney.


E Sarney, homem bom, piedoso e solidário, sempre foi amiguinho do Homem:


“Meu Jesus Cristinho morava na minha cidade de São Bento, onde despertei para a vida. Ele estava na igreja entre as colunas pintadas imitando mármore. Nos tempos da paixão, eu chorava com a revelação de que homens maus o tinham crucificado, pregado na cruz, trespassado por lança e Judas o traíra.”


Que nome teriam os homens maus que crucificam as crianças do Maranhão e as trespassam com a lança da omissão, do descaso e da corrupção?


E, na última estação dessa via crúcis que é ler um texto de Sarney, ele desfere a derradeira chicotada nas Isabellas de Imperatriz:


“Toda Sexta-Feira Santa é para mim plena da restauração da infância. E, como diz são João, ‘Jesus amou os homens até o fim’. Aleluia.”


Sexta-Feira Santa seria um bom momento para Sarney e sua família começarem a restaurar a infância das crianças do Maranhão. Mas isso não vai acontecer, porque os Sarneys não as amam.


No fim desse império mau, somos nós que gritaremos Aleluia.