27 de nov. de 2010

Lobão conta "vida bandida" em livro

Depois de receber do pai um soco na cara, Lobão começou a gritar para que saísse do quarto enquanto terminava de fazer as malas. Estava sendo expulso de casa.
    O velho não saía. Avistou, então, os dois violões em cima da cama. Ainda pensou: "O preto ou o de nylon?''. O de nylon. Pegou o instrumento e fez dele uma clava.
    Deu com força na cabeça do pai repetidas vezes. O homem caiu no chão, arrastou-se para fora do quarto tentando fugir dos golpes, que continuavam. Apanhava em silêncio. Ensanguentado, conseguiu chegar à escada.
    Em última tacada, o filho o empurra pelos degraus. Só sossegou porque não havia mais violão para continuar batendo. Em seguida, chamou a irmã: "Vamos sair deste hospício''.Nunca mais voltou para casa. Tinha 19 anos.
    Hoje, aos 53, o músico reúne histórias como essa -algumas ainda mais pesadas- na volumosa autobiografia "Lobão - 50 Anos a Mil''.
     O livro foi escrito com o jornalista Claudio Tognolli. Enquanto o biografado ia fundo nas próprias lembranças, Tognolli fazia a pesquisa factual: compilava notícias publicadas nos últimos 30 anos, recolhia os inúmeros processos judiciais que Lobão teve de responder, entrevistava outros personagens.
    O material jornalístico não se mistura às memórias, só as completa. Vem intercalado em capítulos à parte que, segundo Lobão, estão lá "pra ninguém dizer que sou louco e estou inventando história''.
    O leitor impaciente pode pular esses capítulos sem nenhum prejuízo da narrativa. Mas é fato que, de tão extraordinárias, muitas das polêmicas peripécias narradas parecem mesmo pura invenção.
Indiana Jones
     Lobão conta que escreveu exatamente 871 páginas de memórias. Jogou fora dois terços delas na edição final.
    "Eu me tratei como um personagem'', diz. "No começo, estava seguindo um caminho mais existencialista. Depois, optei pela velocidade e intensidade. Como se eu fosse um Indiana Jones.''
    As aventuras do mocinho se confundem sempre com a do bandido. Incluem um período de três meses na cadeia, condenado por porte e consumo de drogas. E, após a saída da prisão, uma relação íntima com traficantes e outros marginais nos morros cariocas.
    Há contos divertidos, como o dia em que ele e a irmã obrigaram a mãe a fumar maconha. Ou o golpe que deu na Blitz, uma de suas bandas, escondendo deles que ia sair em carreira solo só para aparecer junto da turma numa capa de revista.
    Outros casos são trágicos. Somam-se crises de depressão, tentativas de suicídio dele (por overdose de Rivotril) e da mãe -que, por fim, conseguiu acabar com a própria vida e ainda deixou uma carta culpando ele, o filho.
    "O livro inteiro sou eu morrendo muitas vezes, de várias maneiras'', ele diz. "E depois, sempre, me reinventando.''
    É mais que isso. A partir de sua trajetória turbulenta, Lobão traça um painel daquela geração da música pop brasileira, construída e consagrada entre o final dos anos 1970 e meados dos 1980. Percorrem o livro, entre tantos, Marina Lima, Ritchie, Cazuza, Lulu Santos, Evandro Mesquita, os Titãs, a Gang 90, Herbert Vianna - os desentendimentos com este último mereceram espaço generoso. Lobão coleciona uma série de histórias que, segundo ele, comprovam uma "obsessão'' do líder dos Paralamas do Sucesso por sua pessoa -incluindo plágios e sabotagens.
    "Lobão - 50 Anos a Mil'' termina quando o cantor chega a São Paulo para morar, em 2008. É vida nova.
    "O que mais me deixou orgulhoso é que o livro está bem escrito'', diz. "Se, teoricamente, tudo o que eu contei ali fosse mentira, ele valeria como um bom romance.'
Da Folha de S. Paulo

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