14 de jun. de 2010

À propósito dos filhos do lavrador de Pinheiro

Filhos da Sombra
Monteiro Lobato

     A rotação da terra produz a noite; a noite produz o medo; o medo gera o sobrenatural: - divindades e demônios têm a origem comum da treva.
     Quando o sol raia, desdemoniza-se a natureza. Cessa o Sabá. Satã afunda no inferno, seguido da alcatéia inteira dos diabos menores.
     A bruxa reveste a forma humana. O lobisomem perde a natureza dupla. Os fantasmas diluem-se em névoa. Evaporam-se os duendes. Os gnomos subterrâneos mergulham no escuro das tocas. A capora deixa em paz o viajantes. As mulas-sem-cabeça reencambeçam-se e vão pastar mansamente. As almas penadas trancam-se nas tumbas. Os sacis param de assobia e, cansados, duma noite inteira de molecagens, escondem-se nos socavões das grotas, no fundo dos poços, em qualquer couto onde não penetre a luz, sua morta inimiga.
     Filhos da sombra, ela se arrasta consigo mal o Sol anuncia, pela boca da Aurora, o grande espetáculo em que a Luz e sua filha ac or esplendem numa fulgurante apoteose.
     A treva, batida de todos os lados, refoge para os antros onde moram a coruja e o morcego. E nessas nesgas de escuro apinha-se a fauna inteira dos pesadelos tal qual as rãs e os peixinhos aprisionados nas poças sem esgoto, quando as grande enchentes as águas descem., E como nas poças verdinhentas a traíra permanece imóvel e a rã muda, assim toda a legião dos diabos se apaga. Inutilmente tentaríamos surpreender unzinho sequer.

Do livro “idéias de Jeca Tatu”


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