13 de fev. de 2011

O Egito é a Bahia

Caetano Veloso
Carlinhos Brown cantando “... e o Egito é a Bahia” em frente à catedral de Guadalajara, com a multidão mexicana na mão, lançou uma luz inesperada sobre as imagens do Cairo que passáramos a tarde vendo na TV. A frase é de “Sou faraó”, canção sua que é sucesso eterno e irresistível do carnaval de Salvador. Um cara com boa cara de jalisciense (de gente de Jalisco) vence cotovelos para me dar um exemplar usado da edição conjunta de “Pedro Paramo” e “Llano en llamas”, de Juan Rulfo. Esperava a hora de ler Rulfo: ganhar um livro assim, velho, sujo, impregnado de vida mexicana foi a senha. Começo a ler logo que acabe “Los detectives salvages”, de Bolaño, mexicano por adoção.
    Desde talvez novembro do ano passado que eu não via ou falava com Gil. A secretaria de Cultura de Guadalajara nos pôs frente a frente no aeroporto Tom Jobim (o pior do Brasil, que os tem tão maus). Escrevi tantas vezes aqui sobre questões ligadas à sua gestão como ministro, sem sequer procurá-lo para comentar, que esse encontro não combinado por nós me deixou um tanto nervoso. Já contei que não vinha falando com os internetetes ultimamente. Mas Joyce talvez ache difícil de crer que não troquei uma só palavra com Gil durante todo esse tempo. Mas foi assim. Falei com Hermano Vianna (laconicamente e por e-mail) depois que alguns dos meus provocativos artigos já tinham sido publicados (na verdade, depois do último, em que zoei os fãs da web). Com Gil, nem isso. Como quando estive em desacordo com planos do seu ministério, também desta vez consegui ser claro em assumir posição e ajudá-lo a evitar dano à nossa amizade. E ele, como sempre, me ajudou a ajudá-lo. Mas, sinceramente, quando havia oposição (como no caso da Ancinav, que eu rejeitava terminantemente) era mais fácil conversar do que agora. É que não estou definido contra algo claro. Nem tenho argumentos (coisa que Gil logo foi me dizendo). Quando cito Andrew Keen (autor de “O culto do amador”, um panfleto contra a internet), faço-o para ver o que dizem meus amigos pró-Creative Commons sobre o livro — além de verem nele o mesmo tipo de reação que a prensa de Gutenberg provocou no seu tempo. E quando digo que acolher os pleitos dos internautas libertários é mérito do ministério Gil, façoo para ver o que me dizem meus amigos defensores da Lei do Direito Autoral existente. O fato é que ninguém diz ser contra os direitos — e ninguém diz ser contra a internet. Ou seja: ninguém quer pagar de burro. Deixar que a discussão se reduza a ciumadas de troca de turma seria uma burrice ainda maior do que qualquer dessas afirmações simplistas.
    Jacques Attali (em artigo que Hermano me enviou) argumenta que a nova lei francesa, que limita os internautas a pretexto de defender os autores, está a serviço das corporações tradicionais: as majors da música e do cinema. O jovem autor que quer ver sua criação difundida não ganha nada. E o jovem consumidor que quer ter acesso fácil a coisas difíceis também sai perdendo. Ele sugere que as fornecedoras de acesso financiassem uma licença global que forneceria a remuneração dos autores, dos intérpretes e das gravadoras criativas (ideia não muito diferente da de Kassin, à qual voltarei em breve). É texto para provocar respostas de Fernando Brant, Dubas (uma gravadora criativa) e Aldir.
    Direito torto. Um cara inventou o conceito de copyleft, em oposição a copyright (saquem o trocadilho com right — direita — e left — esquerda). Conheço de longa data. Mas volta e meia esqueço. Keen cita. Gostei de me lembrar dele agora porque muita gente pensa que é a esquerda que se opõe à troca livre na internet. Não é. Vou entregar Mautner mais uma vez: ele é que gosta de chamar os defensores do Creative Commons e similares de “comunistas cibernéticos”.
    Consegui cantar em Guadalajara. A catedral estava linda, bem na minha frente. E havia uma lua que fez da “Tonada” de Simon Días algo tão bonito quanto deve ser. Mas toquei violão tão mal, me vi tão desprovido do senso do ritmo e da harmonia, que me senti envergonhado. E havia tantos músicos bons ali, da banda de Gil e da banda de Brown. Fiquei triste. Quando minha pouca prática se expõe assim, penso em João Bosco, em Dori, em Chico Pinheiro e (outra vez) em Joyce: não me sinto no direito de estar entre essas pessoas. Agradeço e peço desculpas.
    Insisto (no papo) porque confio no que há de alto nível nas personalidades de Gil e de Ana. Ruim mesmo foi a entrevista de Emir Sader que li sobre sua entrada na Casa de Rui Barbosa. Se há uma coisa de que não gostei no governo Dilma foi a troca de Zé Almino por ele. Posso parecer suspeito, mas toda a sofisticação discreta, todo o refinamento difícil (capaz de encarar as sutis complexidades da cultura e da política) de Almino contrastam enormemente com o estilo esquerda convencional de Sader. Sou amigo de Almino (amigo no coração, pois quase nunca o vejo) e nada tenho contra a pessoa de Sader (que não conheço). Mas o que se lê em sua entrevista é um anúncio de palestras das figuras marcadas da esquerda oficial: Zizek, Marilena
    Chaui, Eduardo Galeano. Zizek é um astro pop. Amo Galeano, sua suavidade uruguaia e sua lealdade a sonhos de antigamente. Mas ler esses nomes na programação da Casa de Rui dá a sensação de empobrecimento de visão. Gosto de Marilena mas não de sua cantilena contra a mídia para absolver mensaleiros. Refrão que Sader repete na entrevista. Tou fora.

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