31 de mai. de 2011

Carta existencial à presidenta Dilma

Renata Camargo*
    Excelentíssima presidenta Dilma Rousseff, a senhora prometeu durante a campanha eleitoral no ano passado que iria vetar qualquer anistia a desmatadores ilegais e qualquer redução de áreas de preservação permanente (APPs) e reserva legal que pudesse ser aprovada no Congresso. Neste contexto, a sociedade brasileira pergunta:
    O que a senhora vai fazer com o § 3º do artigo 4º e o art. 11 do projeto do novo Código Florestal que tramita agora no Senado? Por esses dispositivos, todas as várzeas do país deixam de ser áreas de preservação permanente e, dessa forma, todo o Pantanal poderá ser legalmente desmatado para virar pasto. A senhora vai vetar esses dispositivos?
    E o que será feito com o art. 36 e 37, que abre a possibilidade de regularizar nas cidades brasileiras situações como a Favela do Morro do Bumba, em Niterói, que num desastre ambiental no ano passado soterrou mais de 200 pessoas? O atual Código Florestal proíbe a ocupação nessa área, mas o projeto, se não for dada uma ressalva estrita de que aquela área é de risco, vai permitir sua regularização fundiária.
     E presidenta, a senhora vai vetar o inciso IV do art. 38 que permite que latifundiários comprem áreas de pequenos produtores para regularizar ambientalmente a situação de suas propriedades? O projeto permite que grande compre terreno preservado de pequeno mesmo em outro estado e, assim, o grande continua sua larga produção agropecuária, enquanto o pequeno vai tentar a vida nas favelas da cidade.
    Outra dúvida, senhora presidenta, é quanto ao parágrafo único do art. 39. Ele fala que dono de 150 mil hectares de terra na Amazônia poderá provar que não tem mais reserva legal há anos só com a descrição de fatos históricos de ocupação da região e outros documentos que não comprovam por imagens o desmatamento. Pensando nas constantes grilagens de terra e nos enormes conflitos agrário do país, é seguro confiar na boa fé geral e irrestrita dos donos de terra?
    Além disso, presidenta, o que fazer com o inciso IV art. 3º, que considera que a preservação permanente nas margens dos rios deve ser feita a partir do “leito regular” do rio? O Código Florestal atual (Lei 4.777/1965) diz que as APPs são medidas a partir do nível mais alto do corpo d’água, que dá muito mais proteção do que pelo leito regular. Então, esse dispositivo e os demais relacionados, que trazem redução considerável de áreas legalmente protegidas no país, serão vetados?
    Por último, o art. 58 também preocupa. Por ele, se um fiscal do órgão ambiental tomar conhecimento de um novo desmatamento ilegal, ele poderá embargar a obra ou atividade. A redação legislativa é clara: pode não é deve. Se o desmatamento é ilegal e é crime ambiental, não seria certo o fiscal ter o dever de parar a atividade que causa dano à sociedade?
    Excelentíssima presidenta Dilma, pelo que parece, o projeto de lei do novo Código Florestal que foi aprovado pela Câmara e agora segue para apreciação no Senado traz uma série de incoerências com a preservação ambiental no país. Essas incoerências, pelo que parece, vão muito além da anistia a multas por desmatamentos ilegais, que por si só já seria muito onerosa à sociedade.
    A imprensa fala sempre em anistia. Mas estudos técnicos e alertas de ambientalistas e de cientistas têm apontado que o projeto do novo marco legal das florestas no Brasil está, em sua essência, permeado de dispositivos que são uma afronta à proteção das vegetações brasileiras. Os vícios de origem, então, pelas falhas na técnica legislativa, estão em todo o projeto. O que a senhora presidenta vai fazer se o Congresso aprovar essa proposta? Será mesmo que há remendos? Ou o veto tem que ser total? A sociedade está ansiosa por sua resposta.
* Renata Camargo  é formada em Jornalismo pela Universidade de Brasília (UnB), Renata Camargo é especialista em Direito Ambiental e Desenvolvimento Sustentável pelo CDS/UnB. Já atuou como repórter nos jornais Correio Braziliense, CorreioWeb e Jornal do Brasil e como assessora de imprensa na Universidade de Brasília e Embaixada da Venezuela. Trabalha no Congresso em Foco desde 2008.

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