5 de fev. de 2011

Garota do "Último Tango"

Ruy Castro
RIO DE JANEIRO - Dezembro de 1972. O ditador era Médici e vivíamos sob censura. Mas da Europa vinham ecos de um filme que Bernardo Bertolucci acabara de lançar, "Último Tango em Paris", com Marlon Brando e uma novata, Maria Schneider, 19 anos. Pelos relatos, que falavam de nudez frontal, práticas heterodoxas e sexo quase explícito, sabíamos que tão cedo não o assistiríamos por aqui. E, de fato, "Último Tango" foi proibido no BRASIL assim que estreou em Paris.
    Foi proibido, mas nada nos impedia de encher páginas com as fotos de Brando e da garota, como fizemos em "Manchete" -muitos homens perdiam o sono por causa da bela Schneider. Com isso, todo mundo no BRASIL sabia que "Último Tango em Paris" existia, e que a censura brasileira, zelosa da nossa menoridade, o proibira.
    Em janeiro de 1973, deixei "Manchete" e o BRASIL, e fui trabalhar em Portugal. Lá, surpresa: a ditadura salazarista, mesmo sem Salazar, não se limitava a proibir certos filmes -não deixava também que se falasse deles nos jornais e muito menos que estavam proibidos. Donde, para o povo português (que não lia revistas estrangeiras), "Último Tango" nem sequer existia.
    Poucos meses depois, fui a Londres e assisti ao filme num CINEMA em Piccadilly. Não me abalou particularmente -tinha amigos no Rio que levavam uma vida mais agitada que a daquele casal. Lamentei que, no BRASIL e em Portugal, não nos deixassem ser adultos e decidir o que achávamos do filme.
    Dali a um ano, a 25 de abril de 1974, Portugal fez a "Revolução dos Cravos", liquidou a censura e liberou tudo. "Último Tango" estreou em Lisboa cinco dias depois. No BRASIL, com a abertura "lenta, gradual e segura", o filme só seria exibido em 1979 -quando seu poder de choque se tornara zero e as acrobacias de Maria Schneider (morta esta semana, aos 58 anos) já não tiravam o sono de ninguém.
Da Folha de S. Paulo

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