4 de jul. de 2010

Poesia brasileira perde Roberto Piva

Jotabê Medeiros
     O poeta Roberto Piva morreu no sábado, aos 72 anos, em São Paulo, com falência múltipla dos órgãos decorrente de uma insuficiência renal. Ele estava hospitalizado desde maio no Incor (Instituto do Coração), no Hospital das Clínicas, com um câncer na próstata, que posteriormente se espalhou pelos ossos. Antes do diagnóstico do câncer, ele já havia ficado internado duas vezes neste ano, uma delas para passar por uma cirurgia no coração.
     Nascido em São Paulo, Piva foi um dos mais destacados poetas do País nas últimas décadas. Sua obra-prima, Paranoia, foi publicada quando ele tinha 23 anos, em 1963, sob edição de Massao Ohno, o pioneiro editor de poetas independentes, que morreu há menos de um mês. De sua geração, destacaram-se também poetas como Hilda Hilst e Claudio Willer. Sua obra hoje está disponível em três volumes de uma compilação da editora Globo - o mais recente, Estranhos Sinais de Saturno, saiu em 2008. O corpo foi velado ontem, no Cemitério do Araçá, e seria cremado na manhã deste domingo, no crematório da Vila Alpina.
     E para que ser poeta em tempos de penúria?, perguntava o poeta Roberto Piva em um de seus mais recentes poemas. Mais do que seus contemporâneos, ele sabia o que era viver à margem: de opiniões firmes, visionário, feroz contra as unanimidades de laboratório, Piva também bradou orgulhosamente seu homossexualismo por becos e praças de São Paulo. Diagnosticado com o Mal de Parkinson, viveu modestamente nos últimos anos, sendo evitado por quem o bajulava e pelos círculos literários bem postos do País.
     Aos 72 anos, tornou-se fundamental para a poesia brasileira em 1963, quando, ainda um garoto, lançou Paranoia, poemas-instântaneos da metrópole cinza, contraditória e brutal que se formava. O livro foi reeditado em novembro pelo Instituto Moreira Salles (R$ 60, tem 208 páginas) - o IMS chegou a anunciar um lançamento na Casa das Rosas, no dia 7 de novembro, mas Piva já estava muito debilitado para participar da noite de autógrafos, que foi cancelada.
     Paranoia tem um efeito meio alucinógeno, é um livro que inocula imagens na mente do leitor a todo instante. Nenhum verso é vulgar, nenhuma imagem é estranha - e ainda assim, todas são surpreendentes, como "terraços ornados com samambaias e suicídios" e "as galerias do meu crânio não odeiam mais a batucada dos ossos".
     É um grande livro de poesia sobre uma complexa metrópole, um retrato de São Paulo como poucos ousaram fazer. Também é, simultaneamente, um desafio para que se dê à palavra um status de essencialidade e um poder de contágio: nenhum verso é vulgar, nenhuma imagem é estranha - e ainda assim, todas são surpreendentes.
Em 2008, a Editora Globo lançou o terceiro volume de sua obra completa - além de sua produção a partir dos anos 80, o volume continha, de quebra, um livro de inéditos. Tratava-se de Estranhos Sinais de Saturno. No emaranhado de epígrafes desse novo livro, se destacava uma de Georges Bataille: "A verdadeira poesia se encontra fora das leis."
Cultivava uma notável independência de escolas, patotas e panelinhas. Em entrevista publicada em 1983, vociferava contra a cultura oficial: “A maioria dos que você chama de 'mandarins bem-pensantes da cultura' não passa de um bando de galinhas assustadas. Eles tentam fazer pressão sobre minhas assumidas irregularidades de comportamento como forma de me enquadrar. Se eu me enquadrasse, eu ganharia página inteira na imprensa conformista. Eles gostariam que eu me calasse sobre tudo, mas eu não me calo sobre nada. Para essa canalha, o meu pecado é ser poeta e intelectual na total insubordinação". (colaborou Raquel Cozer)
De O Estado de S. Paulo

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