3 de nov. de 2010

Saudade mal cozida faz de Reginaldo Rossi ídolo brega

Miguel de Almeida
    Ele não é bonito (seria feio?): cabelo crespo, armação de óculos do tempo do Onça, calça com vinco, camisa de balconista, Reginaldo Rossi, 66, é um fenômeno brega muito antes de existir a definição. É do tempo do cafona e do kitsch.
Sucesso nas penteadeiras de putas (leia-se: jukebox) desde o final dos 1970, a partir do Norte/Nordeste, seu tipo elabora-se a cada novo trabalho: ora afoga as mágoas de amores nos braços de outras, sem pudor de se assumir como traído -um dos destaques neste "Cabaret do Rossi" é "Aceito Tudo de Você (Dor de Corno)"-, ora é o gostosão de plantão.
    A potência brega, assumida como tal, é de corte interiorano ou da periferia das grandes cidades -palco de signos conservadores, de linguagem viciada, da saudade mal cozida e da carência atávica aguçada nos descampados desabitados.
    A construção do personagem macho ferido ou macho conquistador é emblemática no universo brega. Por ser um tipo galanteador, está sujeito à caça predatória de outros semelhantes. Lembremos do mestre Waldick Soriano: "Eu Não Sou Cachorro Não".
    Ao contrário de outros ícones da constelação brega, Reginaldo Rossi é dos poucos que assume sua condição de diluidor de emoções baratas, no embalo do sax renitente e acompanhado por baterista de puteiro (aquele que dá uma e tenta duas ou outras).
INVENTOR
    Pela definição de Ezra Pound, Reginaldo Rossi seria uma espécie de inventor. Ele captura vertente ali da Jovem Guarda (guitarra chorosa, sax-comentário e batida-baile) e apimenta o figurino com o despudor da autoironia -sou corno, e daí?- e da chacota: "Bebi demais/e não me lembro sequer/o nome daquela mulher".
    O brega é o Brasil e o Brasil é o brega. Dizia o poeta Oswald de Andrade: o Brasil é um monte de gente dando adeus. Não é de hoje, portanto, que imagens desgastadas de amores vãos adoçam nossa alma cabocla e melancólica. Foi assim no passado e é agora com o brega sertanejo estampado em "Caras".
    Rossi é inventor porque também não se envergonha do que encarna, do que canta e do que espelha. Assume-se como brega e posa como o xerife do quarteirão.
Como um Woody Allen de gafieira, lá pelas tantas, no DVD, confessa: "Nos últimos tempos tenho brochado bastante". A galera vibra. E ele sorri: o ídolo brega é de carne e está sujeito a falhas.
*Miguel de Almeida é escritor, editor e foi repórter de Ilustrada nos anos 1980.
CABARET DO ROSSI
ARTISTA Reginaldo Rossi
GRAVADORA EMI
QUANTO R$ 28
CLASSIFICAÇÃO livre

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